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29.07.2014
Relato do Encontro Aberto da 31ª Bienal em São Paulo, em 26/04/2014, no Sesc Sorocaba.

Qual o papel da arte na sociedade ? O que a arte pode e deve fazer hoje? Como falar de arte, educação e transformação? De que tipo de transformação estamos falando? Como trazer mais pessoas para essa experiência? Como transformar a sociedade, no âmbito das relações interpessoais? Como falar de coisas que não existem?

Essas foram algumas das questões que nortearam o Encontro Aberto realizado em Abril no SESC Sorocaba como parte da ação inicial organizada pela 31ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo em colaboração com instituições e profissionais de diversas cidades do Brasil. A Bienal acontece entre os dias seis de setembro e sete de dezembro no prédio do Pavilhão da Bienal na cidade de São Paulo. 

Representaram a Fundação Bienal São Paulo a curadora Galit Eilat, o curador associado Benjamin Seroussi e alguns membros da equipe do Educativo da Bienal. Apesar da proposta de encontro aberto, o público presente era composto por artistas e professores que atuam na cidade de Sorocaba ou seu entorno, sendo grande parte desse público composto por artistas membros do grupo de Pesquisa em Poéticas Visuais, acompanhado do coordenador do projeto, o crítico de arte e curador Josué Mattos e pela equipe do Sesc Sorocaba. Fez falta a participação de um público mais heterogêneo.

De início foi apresentada a ilustração criada pelo indiano Prabhakar Pachpute, artista convidado para desenvolver a identidade visual da 31ª Bienal. Na imagem escolhida, uma grande torre cilíndrica é movida por diversas pernas. A torre não tem início nem fim e as pernas estão dispostas em diversas direções, indicando um caminhar incerto. Movida pelo desejo determinado de um corpo coletivo, compartilhando inteligência comum e sensibilidade expandida, a ilustração transmite quatro ideias medulares no trabalho da equipe organizadora do evento: imaginação, transformação, coletividade e conflito.

Os curadores apresentaram como ponto central do projeto curatorial envolver o público, a equipe do educativo e os artistas, em todo o processo. O encontro configurou uma conversa em tom bastante informal, na qual os curadores se mostraram mais interessados em ouvir e dialogar com o público do que palestrar ou expor objetivos específicos da 31ª Bienal.

Na conversa pouco se anunciou em termos concretos sobre o que a 31ª Bienal virá a ser. Não foi divulgado um método, um tema unificador, uma lista de artistas selecionados ou projeto expográfico. Os curadores apresentaram, todavia, ações que já acontecem como parte do processo desta bienal, como as viagens dos curadores às cidades brasileiras para entrar em contato com artistas, curadores e público em geral, as propostas de trabalhos colaborativos entre os artistas, a inserção da equipe do educativo no trabalho da curadoria e dos artistas, e a intenção de inserir o público em todo o processo. Essas estruturas abertas sugerem a ocorrência de comportamentos diversos para captar algo que para a equipe da Bienal já se configura como a realização dela própria.

Nesta conjuntura, a equipe da 31ª Bienal pode conhecer as perspectivas, interesses, preocupações e urgências artísticas locais. Sorocaba, que na década de 1990 teve um movimento de intensa atividade cultural, mas sem o embargo de políticas públicas culturais sólidas e sem articulação entre as propostas independentes, a cidade passou por um longo período de estagnação. Este cenário vem se modificando desde 2013, com o Ateliê de Pesquisa em Poéticas Visuais, que é a primeira ação do Frestas, um projeto idealizado pelo SESC Sorocaba, sob curadoria geral de Josué Mattos. Frestas conta com núcleos expositivos, espetáculos de teatro, intervenções, performances, concertos e ações artísticas transdisciplinares, sendo sua intenção potencializar a cena artística local.

Como parte do projeto Frestas, ocorrerá a Trienal de Artes que será estruturada a partir da seguinte questão: "O que seria do mundo sem as coisas que não existem?". O projeto curatorial teve como base a peça teatral "O que seria de nós sem as coisas que não existem?" (2006), concebida e montada pelo Lume Teatro - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). É oportuno mencionar que esta exposição que reuni artistas locais e de todo o mundo,  acontece no segundo semestre de 2014, concomitantemente à 31ª Bienal de São Paulo.

Se a equipe curatorial se propôs a investigar algumas relações entre o centro e a periferia em sua jornada, é significativo notar esse cruzamento entre a 31ª Bienal e a Trienal de Sorocaba. A reincidência de poéticas assim como de estratégias curatoriais e artísticas que almejam um impacto social ou político além de um alcance significativo recaem sobre os ideais do próprio paradigma da arte contemporânea: a dissolução entre arte e vida, e entre público e obra.

Mesmo que em constante transformação, desde sua criação em 1951, a Bienal busca chegar junto às pessoas, alargando o alcance da instituição. Galit Eilat reiterou o desejo de expansão da própria ideia de Bienal e suas possibilidades de alcance. Se a estratégia é criar ações que permitam que a experiência dessa exposição ocorra para além do consumo imediato, pareceu me bastante relevante a conversa em Sorocaba. A conversa disparou discussões e reflexões, o público pode, a partir da relação com a Bienal, lançar um novo olhar para as questões locais. Foi possível identificar a Bienal como uma referência próxima e distante ao mesmo tempo. A proximidade geográfica entre Sorocaba e São Paulo não é evidência de afinidade no cenário cultural.

Ficou patente na conversa, a ênfase na preocupação com a inscrição da 31ª Bienal na esfera pública, na intenção de tornar o evento acessível para o maior número de pessoas possível. Essa representação de epicentro dos acontecimentos artísticos, entretanto, permance restrita ao edifício que o abriga: o Pavilhão da Bienal que fica no Parque do Ibirapuera.

Assim como aconteceu nas edições do projeto Itinerâncias que levou parte da Bienal para outras cidades, considero pertinente levar parte da Bienal para Sorocaba e outras cidades fora do eixo das capitais. Essa estratégia reforça os argumentos da equipe, promovendo e  ampliando o contato da população com a experiência artística ao levar o evento onde o acesso a exposições de arte é mais limitado.

Nesta edição, a Bienal revê a utilização do Pavilhão da Bienal. A partir de estudos de projetos das bienais anteriores, o conjunto de qualidades arquitetônicas do edifício chamou a atenção da equipe curatorial do evento, que optou em deixar o acesso ao primeiro piso do pavilhão livre. Com um acesso mais fluído, a Bienal pretende aumentar o fluxo de público e torna-lo mais livre. Um dos poucos planos revelados, o primeiro piso como andar público pretende envolver o público que frequenta o Parque do Ibirapuera e criar um espaço intermediário no prédio, semi-público, semi-privado. A ideia é não tratar o pavilhão como recipiente para arte, mas como espaço para seus 500.000 visitantes previstos.

E neste protótipo, faz-se da mostra um evento superlativo em obras, espectadores, em dimensões. O ideal norteador de uma arte para o povo que seja coletiva, participativa e engajada, além de pretender colocar o espectador em uma postura mais crítica, ativa e participativa, traz consigo a especulação em torno da quantidade de público ser um indicativo de sucesso de suas edições.

Buscando reverter alguns modelos cristalizados onde a arte é lugar privilegiado para poucos, o investimento da curadoria em tornar a experiência mais acessível para todos está em grande parte no trabalho de mediação do Educativo. Presumindo a totalidade desta bienal como uma experiência entremeada e construída a partir de processos educativos, a extensa equipe compõe o educativo já está embutido no cerne da curadoria. Foi possível notar que o compromisso com as premissas da equipe curatorial não está somente no discurso poético, mas principalmente na convicção no poder de transformação social e política por meio da arte.

O Educativo demonstrou durante a conversa sua capacidade de aprofundar a reflexão e a prática do papel de mediação na arte, em um processo dialógico e colaborativo que pretende estreitar a relação das pessoas com a arte. É importante lembrar que nos últimos anos aumentaram os subsídios aos núcleos educativos, o que favorece o número de público e de patrocinadores das exposições em geral, principalmente a partir dos anos 2000, quando a FDE (Fundação para Desenvolvimento da Educação) passou a organizar a ida das escolas aos museus e centros culturais. 

Os profissionais da educação presentes no encontro relataram a falta de infraestrutura do sistema educacional de arte na região de Sorocaba para dialogar com o evento. Apontaram também deficiências pontuais relacionadas ao Educativo e a Segurança de Bienais anteriores em receber seus alunos. Se grande parte dos investimentos dos patrocinadores voltam-se para apoios pontuais ligados à manifestações culturais sazonais, a formação a longo prazo ainda carece de recursos.  Enquanto a educação é um amplo processo de formação, a aptidão do educativo está circunscrita em uma exposição cujos resultados não se podem aferir a partir do número de visitantes.

"Falar de coisas que não existem" é lançar dúvidas para além dos lugares culturalmente estabelecidos. É esse caminhar no escuro que a 31ª Bienal propõe, sem definir o destino a se chegar. É pensar que arte contemporânea há tempos não é capaz de dar conta da complexidade e potência da produção artística, intelectual, econômica e política. Neste estado de emergência, configurado pela instabilidade e pelo risco, a latência é potência.

texto: Ellen Nunes

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